Fan-Jovem: Texto para fazer pensar

Texto para fazer pensar

sábado, 17 de novembro de 2007

Durante uma prova de análise de discurso, a sala que eu estudo se deparou com um texto muito interessante.

Leiam e reflitam, abraços a todos

ESPORTES O ESTADO DE S.PAULO


"Terça-feira, 19 de Abril de 2005 O recente episódio que envolveu o jogador Grafite, do São Paulo, e o zagueiro argentino Desábato tem polarizado a opinião pública, dividindo as opiniões entre aqueles que destacam o caráter exemplar da punição e outros que procuram mostrar como em campo, e no futebol, 'preconceito é outra coisa'. De antemão digo que só um debate desse tipo já carrega consigo seus méritos. No interior de um país em que até bem pouco tempo a discriminação parecia naturalizada, como se as posições sociais desiguais fossem um desígnio da natureza, e atitudes racistas consideradas minoritárias e excepcionais, todo barulho é lucro. Por isso mesmo, escancarar o problema e gerar polêmica já é em si sinal de alento.

Além do mais, a questão é contemporânea, uma vez que o racismo representa a hierarquia reinventada em sociedades supostamente igualitárias. A discriminação faz parte da agenda de nossa era globalizada, marcada por ódios históricos, nomeados a partir da etnia, da origem ou da condição.

Mas o que incomoda, nesse caso, é o lugar onde o conflito se explicita: no outro. Melhor ainda se for estrangeiro e, de quebra, argentino. Todo o cenário lembra uma modalidade de preconceito amplamente praticada no Brasil: 'o preconceito de ter preconceito', quando se joga para o 'outro' a discriminação.




Na ausência de uma política discriminatória oficial, estamos cercados no país de uma "boa consciência" que ora nega o preconceito, ora o reconhece como mais brando, ou ainda afirma que ele existe, sim, mas na boca da pessoa ao lado. É só dessa maneira que podemos explicar uma pesquisa realizada em 1988, em São Paulo, na qual 97% das pessoas afirmaram não ter preconceito e 98% - dos mesmos entrevistados - disseram conhecer outras pessoas que tinham preconceito. Ao mesmo tempo, quando inquiridos sobre o grau de relação com aqueles que consideravam racistas, os entrevistados apontavam com freqüência parentes próximos, namorados e amigos íntimos. Conclusão imediata: todo brasileiro se sente como uma ilha de democracia racial, cercada de racismo por todos os lados.

Em 1995, o jornal Folha de S. Paulo divulgou uma pesquisa sobre o mesmo tema, com resultados semelhantes. Apesar de 89% dos brasileiros dizerem haver preconceito de cor contra negros no Brasil, só 10% admitiram tê-lo. No entanto, de maneira indireta, 87% revelaram algum preconceito ao concordar com frases e ditos de conteúdo racista, ou mesmo enunciá-los.

Os resultados de um trabalho elaborado por João Batista Felix sobre os bailes negros em São Paulo podem ser entendidos de forma inversa, mas simétrica. A maioria dos entrevistados negou ter sido vítima de discriminação, porém confirmou casos de racismo sofridos por familiares e conhecidos próximos.

E mais, investigações sobre a existência de preconceito em núcleos brasileiros têm apresentado conclusões convergentes. Em pequenas cidades costuma-se apontar para a ocorrência de casos de racismo apenas nos grandes conglomerados (a atriz que foi barrada em uma boate, a filha do governador do Espírito Santo que não pôde usar o elevador social, o cidadão que foi impedido de efrentar um clube); mas o contrário também acontece - na visão dos moradores de São Paulo e do Rio de Janeiro, é no interior que se concentram os exemplos mais radicais de discriminação.

Isso para não falar do uso do passado. Quando entrevistados, os brasileiros jogam para a história, para o período escravocrata, os últimos momentos de racismo. Emblemático nesse sentido é o hino da República, que em 1889, um ano depois do final da escravidão, entoava com orgulho: 'Nós nem cremos que escravos outrora tenha havido em tão nobre país'. O passado mora longe e um ano era, nesse contexto, sinal de muitas décadas ou até mais.

Aparentemente distintas, as conclusões das diferentes investigações são paralelas: não se nega mais que exista racismo no Brasil, mas ele é sempre um atributo do 'outro'. Seja da parte de quem preconceitua ou de quem é preconceituado, o difícil é admitir a própria discriminação e não o ato de discriminar.

Além disso, o problema parece ser afirmar oficialmente o preconceito, não reconhecê-lo na intimidade. Tudo isso indica que estamos diante de um tipo particular de racismo; um racismo muitas vezes silencioso e sem cara, que se esconde por detrás de uma suposta garantia da universalidade e da igualdade das leis, e que lança para o terreno do privado, e para o vizinho, o jogo da discriminação. Com efeito, em uma sociedade marcada historicamente pela desigualdade, pelo paternalismo das relações e pelo clientelismo, o racismo só se afirma na intimidade ou na delação alheia.

Que o caso da prisão do jogador argentino sirva como modelo para pensar, também, no nosso jogo interno e perverso de exclusão, e não vire um espelho cômodo cujo outro lado da imagem é sempre o outro lado. Tudo isso enquanto nós continuamos 'deitados eternamente em berço esplendido'. "

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